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Nota de Esclarecimento: Teste da Linguinha

NOTA DE ESCLARECIMENTO: “Protocolo de Avaliação do Frênulo da Língua em Bebês” (Teste da Linguinha)

NOTA DE ESCLARECIMENTO
Posição da Associação Brasileira de Odontopediatria com relação à Lei Federal 13002/14 que instituiu a obrigatoriedade de aplicação nos hospitais e maternidades brasileiros do “Protocolo de Avaliação do Frênulo da Língua em Bebês” (Teste da Linguinha)

A lei federal 13002/14 sancionada e publicada no Diário Oficial da União em 23 de junho de 2014  instituiu a obrigatoriedade de aplicação do “Protocolo de Avaliação do Frênulo da Língua em Bebês” (Teste da Linguinha – TL) em todas as crianças nascidas em hospitais e maternidades brasileiros. Segundo o autor da lei, “com a aplicação desse protocolo é possível identificar se o frênulo lingual limita os movimentos da língua, que são importantes para sugar, mastigar, engolir e falar” e essa aplicação deve ser realizada preferencialmente antes do primeiro mês de vida para evitar “dificuldades na amamentação, possível perda de peso e, principalmente, o desmame precoce” (Agostini, 2014)., Considerando que programas de triagem devem obedecer a alguns princípios básicos (Wilson & Jungner ,1968; Andermann et al, 2008) que incluem: a condição triada deve ser um problema importante de saúde, deve haver um teste ou exame adequado, o tratamento para a condição detectada deve estar disponível, deve haver evidência científica sobre a eficácia do rastreamento e os benefícios gerais da triagem devem superar os danos; a Associação Brasileira de Odontopediatria manifesta-se contrária à incorporação do TL ao rol de exames obrigatórios na triagem neonatal e destaca:
  • Prevalência baixa da condição a ser diagnosticada pelo protocolo: A anquiloglossia, ou seja, a alteração congênita do freio lingual que interfere com a mobilidade da língua, tem prevalência variando de 0,02 a 10,7%, sendo mais aceito que esteja entre 2 e 5% (Segal et al., 2007; Power & Murphy, 2015). A maior parte dessa variação é devido à inconsistência nos métodos para o diagnóstico, uma vez que não existem critérios universalmente aceitos para a identificação da condição (Francis et al., 2015).
  • Incerteza sobre os efeitos da anquiloglossia na amamentação: Existe a hipótese de que a anquiloglossia interfere com a pega do mamilo materno pelo bebê e leve, portanto, à dificuldade de amamentar (Francis et al, 2015). Entretanto, a maioria das crianças diagnosticadas com anquiloglossia são assintomáticas e não apresentam dificuldades de amamentação (Power & Murphy, 2015; Rowan-Legg, 2015). Além disso, existe grande incerteza a respeito dos benefícios da correção cirúrgica da anquiloglossia com relação a desfechos clinicamente relevantes como: prevenção da interrupção precoce da amamentação, aumento da duração da amamentação e crescimento e ganho de peso da criança (Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health, 2016)
  • Falta de validação adequada do método de triagem proposto: O teste mencionado na lei foi criado baseado numa casuística extremamente reduzida e específica (Martinelli et al., 2012), e houve uma proposta de validação subsequente (Martinelli, 2015), apenas após a sanção da lei. A validade de critério foi avaliada comparando-se os resultados a um outro instrumento utilizado como padrão de referência, o Bristol Tongue Assessment Tool (BTAT), o qual ainda não pode ser considerado padrão-ouro para o diagnóstico de anquiloglossia que possa interferir com a amamentação por não ter cumprido todas as etapas do processo de validação. Além disso, ao estudar a correlação entre as pontuações obtidas com os dois instrumentos, não se considerou todos os itens que os compõem mas apenas aqueles que avaliam aspectos semelhantes (3 itens do total de 4 e 11 que integram o BTAT e o TL, respectivamente). Outro motivo de preocupação é o fato do padrão de referência ter sido aplicado por um dos examinadores que realizou o método teste, inclusive adotando os critérios indicados para o TL nos exames quando não havia instrução específica para aplicação de algum item do BTAT. Apesar de se ter mantido o intervalo de 30 dias entre as aplicações dos dois instrumentos, não há menção sobre cegamento das análises. É esperado que quando um método é comparado a um padrão de referência que avalia aspectos semelhantes, a acurácia seja superestimada (Haynes et al., 2006). No caso do presente instrumento de avaliação, pelas características do método, é mais provável que o teste tenha uma alta sensibilidade, mas uma baixa especificidade, o que levaria a uma ocorrência elevada de diagnósticos falso positivos. Além desse aspecto, o mais adequado teria sido avaliar a validade de constructo, através de um estudo longitudinal prospectivo, utilizando desfechos clinicamente relevantes como manutenção da amamentação exclusiva nos primeiros meses de vida e ganho de peso adequado nas primeiras semanas de vida. Nenhum desses desfechos foi contemplado em nenhum momento antes ou mesmo depois da sanção da lei. Adicionalmente, a cartilha contendo instruções para a aplicação a lei (Agostini , 2014) orienta que, na triagem neonatal, não se deve aplicar o instrumento completo, mas apenas a seção do teste que compreende a avaliação anatomofuncional do freio lingual composta por 7 itens. Em um estudo em que se avaliou a confiabilidade e a validade de construto dessa versão abreviada do TL encontrou-se uma consistência interna muito baixa (Coeficiente Alfa de Cronbach=0,28). Além disso, não se observou associação estatisticamente significante entre a pontuação do TL e a frequência de dificuldade para amamentar na maternidade e nem entre a pontuação do TL e a frequência de dor ao amamentar e a experiência de rachaduras no seio materno no primeiro mês após a alta hospitalar (Simão et al. 2016).
  • Incerteza sobre os benefícios do programa obrigatório de rastreamento para anquiloglossia: Sobrediagnóstico é definido como o diagnóstico de uma doença ou de uma alteração que nunca provocará nenhum tipo de problema ao indivíduo. Devido ao fato de que a maioria dos bebês com anquiloglossia são assintomáticos e não apresentam nenhuma alteração de função, especialmente alterações relacionadas à amamentação nessa faixa etária, a aplicação do “Protocolo de Avaliação do Frênulo da Língua em Bebês” a recém-nascidos é um convite ao sobrediagnóstico. A ausência de estudos clínico randomizados bem conduzidos com a avaliação de desfechos clinicamente importantes não permite uma avaliação de quantos bebês teriam que ser submetidos a uma cirurgia para que uma criança chegasse a ser efetivamente beneficiada (número necessário a tratar). No entanto, pelos motivos já explicitados, especula-se que, caso o que determina a lei sancionada seja realmente seguido, o número de crianças tratadas sem necessidade seria grande. Portanto, esse programa de rastreamento pode causar reais malefícios aos bebês e às suas mães, uma vez que as crianças poderão ser submetidas a uma cirurgia desnecessária, e a mães poderão desenvolver transtornos psicológicos e de ansiedade ao serem informadas que seus filhos recém-nascidos são portadores de uma anormalidade (Hewlett & Waisbren, 2006). Deve-se ressaltar também que todo programa de triagem deve ser acompanhado de um processo de preparação dos profissionais de saúde para aplicar corretamente os testes propostos, informar os pacientes sobre os riscos e benefícios da triagem e encaminhar os pacientes que testarem positivo para unidades de saúde que realizem testes adicionais confirmatórios e/ou o tratamento da condição.
Esses quatro pontos, em especial, evidenciam o quanto a obrigatoriedade de aplicação do “Protocolo de Avaliação do Frênulo da Língua em Bebês” a todos os recém-nascidos do país é problemática.
Além desses aspectos, outros pontos podem ser levantados que reforçam a posição contrária à obrigatoriedade da realização do “Teste da Linguinha”.
  • Dificuldade de realização do teste: Tem sido observado uma dificuldade técnica em se realizar o teste de forma adequada na maior parte dos locais. A confiabilidade inter- e intra-examinador tem sido menor do que os valores encontrados no estudo de validação do teste, e há evidências de estudos preliminares de que a aplicação correta do teste requer treinamento prévio exaustivo (Simão et al., 2016).
  • Custos envolvidos para a realização do protocolo: Não se tendo comprovação, a partir dos resultados de ensaios clínicos controlados, de que a triagem neonatal para anquiloglossia é eficaz para reduzir o desmame precoce e os prejuízos à saúde da criança decorrentes desse evento, os escassos recursos destinados à saúde estariam sendo desperdiçados para que a execução do teste seja realizada da forma como é proposta. O custo adicional decorrente da necessidade de contratação de profissionais para adequar as maternidades à nova lei, bem como os custos envolvidos com a capacitação desses profissionais e com o aumento do número de cirurgias não parece ser justificado por um benefício comprovado decorrente da triagem obrigatória.
  • Evidência de benefício da cirurgia baseada em evidência de baixa qualidade: Uma das propostas da lei é que a avaliação inicial permita indicar a frenotomia já na maternidade, visando a melhora na amamentação. Embora haja indicação de benefício quando a cirurgia é realizada nos casos em que há problemas de amamentação, essa indicação advém de estudos não randomizados e de estudos clínicos com baixa qualidade metodológica e que não consideram desfechos clinicamente importantes (ganho adequado de peso nas primeiras semanas de vida ou manutenção da amamentação exclusiva por um período adequado, por exemplo). Ou seja, a efetividade da cirurgia de frenotomia é baseada em evidência fraca (Ito et al., 2014; Francis et al., 2015; Power & Murphy, 2015; Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health, 2016). Portanto, estudos clínicos randomizados bem delineados e avaliando desfechos clínicos importantes são necessários para aumentar a força de evidência do procedimento.
Considerações finais
      Diante de todos esses aspectos, a Associação Brasileira de Odontopediatria se posiciona contrária à obrigatoriedade de aplicação do “Protocolo de Avaliação do Frênulo da Língua em Bebês” (Teste da Linguinha) na triagem neonatal e, no atual estágio de conhecimento científico sobre o tema, considera prudente restringir a avaliação da possível interferência do freio lingual na amamentação aos casos individuais em que seja constatada dificuldade de amamentação nas primeiras semanas de vida, já fora da maternidade. Em caso de evidência de que a anquiloglossia seja a causa da dificuldade de amamentação, a indicação da cirurgia de frenotomia pode ser considerada.
Referências
Teste da linguinha [Internet]. Brasília (DF): Congresso Nacional; 2014. [ citado 16 fev. 2017  ]. Disponível em: http://www.abramofono.com.br/wp-content/uploads/2014/10/testelinguinha_2014_livro.pdf
Andermann A, Blancquaert I, Beauchamp S, Dery V. Revisiting Wilson and Jungner in the genomic age: a review of screening criteria over the past 40 years. Bull World Health Organ. 2008; 86:317-9. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18438522 >
Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health. Frenectomy for the Correction of Ankyloglossia: A Review of Clinical Effectiveness and Guidelines [Internet]. 2016 Jun 15. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK373454/
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Martinelli RLC, Marchesan IQ, Rodrigues AC, Berretin-Felix G. Protocolo de avaliação do frênulo da língua em bebês. Rev CEFAC. 2012; 14:138-45.
Martinelli RLC. Validação do Protocolo de avaliação do frênulo da língua em bebês. [Tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia de Bauru; 2015.
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Rowan-Legg A. Ankyloglossia and breastfeeding. Paediatr Child Health. 2015;20:209-18.
Segal LM, Stephenson R, Dawes M, Feldman P. Prevalence, diagnosis, and treatment of ankyloglossia: methodologic review. Can Fam Physician. 2007;53:1027-33.

Simão CAB, Sudo ARC, Massa GS, Almeida LC, Filizzola P, Marsillac MWS, Barja Fidalgo F, Oliveira BH. Avaliação da confiabilidade e validade do Teste da Linguinha utilizado na triagem neonatal. Braz Oral Res. 2016; 30 (Suppl 1): 50.
Wilson J, Jungner G. Principles and practice of screening for disease.   World Health Organization; 1968. Disponível em: < http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/37650/17/WHO_PHP_34.pd

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